sexta-feira, agosto 01, 2008

Uma Astronomia no Verão nos Açores

por

Paula Alexandra da Silva e Costa
(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2002 da revista C&T da Direcção Regional da Ciência e Tecnologia)

A “Astronomia no Verão” nem sempre é uma tarefa fácil para aqueles que se propõem realizar sessões públicas a céu aberto, sobretudo numa região como os Açores e, sobretudo, quando o
Verão não é “tão” Verão assim!

Este ano (2002), o clima revelou-se muito instável e amiúde o céu ficou encoberto por longos períodos de tempo. Depois foi só ver as caras de desalento de todos aqueles que se dirigiram aos pontos de encontro para sessões de “Astronomia no Verão”. Mas, pior mesmo foi quando choveu copiosamente, obrigando a recolher a abrigos temporários com o material a tiracolo, ou impedindo até que, sequer, se pensasse em sair à rua!
Aí, foram os telefonemas de pessoas que, já conhecedoras do clima incerto da sua terra, se encheram de esperança e arriscaram perguntar se, apesar daquela chuva, pensávamos ainda vir a “fazer alguma coisa”.
E lamentamos! A Astronomia óptica é, talvez, uma das áreas mais atraentes da ciência pela sua beleza, mas requer material dispendioso e demasiado sensível e, sobretudo, um céu limpo de nuvens, poeiras, humidade e poluição luminosa. Sem estas condições reunidas, provavelmente, a única coisa que se irá conseguir será gente desiludida porque não está “a ver nada”, ainda que se lhe diga “olhe para o quadrante inferior direito”.
Ainda assim, lá se foram conseguindo alguns serões interessantes, com um ou dois já a entrarem pela madrugada. É que mesmo com condições climatéricas adversas, sempre vão aparecendo o Sol, que é continuamente uma surpresa com todas as suas manchas e erupções, e a Lua que perdura a encantar o ser humano, especialmente quando se observam os pormenores da sua superfície. E depois sobram as conversas, as revistas, as fotografias sobre o tema.

Em encontros de Astronomia não são raras as vezes que grupos de pessoas que inicialmente não se conheciam acabam a conversar animadamente sobre um assunto que as liga porque a todas se revela interessante.
Os encontros de Astronomia também têm a particularidade de se manifestarem, por vezes, não apenas divulgadores de ciência, mas também de cultura geral e popular. Na segunda semana de Agosto estivemos em Santa Maria a participar na “Semana da Juventude”. Levamos connosco aquele que é, possivelmente, um dos telescópios mais viajados desde sempre, um ETX da Meade com abertura de 90 mm e distância focal de 1250 mm. Quanto às sessões de Astronomia foram integradas num vasto programa que incluía desde poesia e uma exposição de artes plásticas até concertos, animação de rua e parapente.
Se bem que, mais uma vez devido às condições climatéricas, algumas actividades tenham sido canceladas ou adiadas, tendo as observações astronómicas estado entre as infelizes contempladas, conseguiu-se, contudo, explicar aos muitos jovens (de espírito) ali presentes como se opera com um telescópio, se lê um mapa do céu, ou se recorre às estrelas para orientação. Mas mais importante do que isso, conseguiu-se estabelecer um diálogo onde se discutiu a influência de algumas ciências exactas no desenvolvimento do raciocínio e, em última análise, da Astronomia. Houve mesmo jovens que chegaram a inquirir-nos sobre teorias correntes em Astronomia e a formular hipóteses que procuravam explicar determinados fenómenos. Correctas ou não, estas hipóteses mostraram-se extremamente válidas enquanto exercícios mentais.

Pouco tempo antes do nosso regresso antecipado a São Miguel, devido a uma virose que singrava por aquelas paragens, conseguimos, então, por breves instantes, mostrar alguns objectos de céu profundo do catálogo de Messier, M13 (um enxame globular), a dupla de Perseu, M31 (a galáxia Andrómeda), M27 (uma nebulosa planetária), bem como o Binário Mizar, na constelação da Ursa Maior e o planeta Júpiter com as suas quatro maiores luas, Io, Calisto, Ganimedes e Europa.

Três dias após o nosso regresso, iniciámos a descida para a Rocha da Relva onde decorreu outra sessão de Astronomia também menos feliz no que respeita a observações de corpos celestes, mas que, em contrapartida, se revelou uma experiência humana muito grata.
A “viagem” iniciou-se às 9:00 h, mas só por volta das 10:30 h se começava a descida propriamente dita, pois os preparativos foram complexos e demorados. O nosso “velho” ETX e respectivo tripé seguiam devidamente acomodados nos alforges do Chico e da Micá, que por sua vez era seguida pelo Jardel – três excelentes burros que constituem, para além do ser humano, o único meio de transporte que pode fazer o percurso até à Rocha da Relva. E, equipados de mochilas com os objectos pessoais, as oculares e um filtro solar seguimos, com os burros e os Amigos da Rocha da Relva, até uma casinha branca, com não mais de 16 m2 e junto da única Eurocária existente na Rocha, onde ficámos albergados, pois a subida não poderia ser empreendida durante a noite.


“Histórias de Astros com chuva”
A descida para a Rocha da Relva: o burro leva o telescópio ETX e o tripé da JMI. Na foto Paula Costa e Aníbal Raposo.

Uma vez aí, as condições climatéricas mostraram-se novamente adversas, e para além do Sol e da Lua, os únicos “corpos” observados com o telescópio foram os garajaus, um veleiro que passou na linha do horizonte e um grupo de golfinhos.
Acabaram, no entanto, por se revelar bastante úteis pois permitiram, uma vez mais evidenciar o funcionamento e as características de um telescópio.
Conseguimos ainda, a olho nu, observar alfa-Scorpius e descrever o processo turbulento que se desenrola nessa estrela.
O resto do tempo foi ocupado da forma mais agradável possível. O nosso anfitrião, Aníbal Raposo e um grupo de músicos por ele convidado, à luz de archotes, obsequiaram todos aqueles que até ali se tinham deslocado com músicas do cancioneiro popular dos Açores, de Zeca Afonso e da sua autoria. Quanto a estrelas, só mesmo essas e aquelas que quase vimos quando, no outro dia pela manhã, terminamos de subir a falésia!

Ainda em S. Miguel, foram também realizadas sessões em Água de Pau orientadas pelo associado, Paulo Pereira, que, aliás, continuará a efectuá-las ao longo do ano, integrando-as nas actividades do Clube de Astronomia da Escola e permitindo, assim, aos espacialmente mais afastados do OASA, continuar a usufruir do vasto conteúdo desta atractiva ciência.

Na Terceira, a nossa sócia, Maria João Miranda, orientou as sessões, que foram objecto de extensa cobertura jornalística naquela Ilha, e manifestou-se bastante satisfeita com o conjunto de pessoas que afluiu aos pontos de encontro. Destacou, sobretudo, a presença de famílias onde predominavam as crianças que evidenciavam a sua curiosidade em relação ao tema. As actividades desenvolvidas, a par das observações, centraram-se na análise de mapas celestes, identificação de planetas e dissertação acerca dos objectos celestes observados e os binóculos e telescópios, para além de material didáctico, foram os materiais utilizados.


AV2002 na Terceira

A nossa sócia enfatizou, ainda, o ambiente de diálogo e troca de informação que se estabeleceu entre os presentes, o interesse crescente da população terceirense nestas actividades e a intenção de as continuar a desenvolver em fases distintas do ano, faltando, para tal, apenas uma sede. A existência deste espaço permitiria a todos os interessados reunirem-se para trocar impressões, realizar observações ou pesquisa acerca de uma ciência que parece merecer um interesse crescente por parte da população e dos órgãos administrativos, não só da Região como além fronteiras.

No Corvo, com João Cardigos, o número de sessões também não foi extenso, mas o interesse e a adesão da população foram recompensadores e, depois, os astrónomos amadores Corvinos podem mesmo sentir-se “enriquecidos” pois inauguramos este Verão, com a colaboração da Câmara Municipal da Vila do Corvo, a nossa sede nessa Ilha num local sobranceiro à Vila. Esta sede, onde se pode pernoitar, está mobilada e dotada de equipamento astronómico (um dobsoniano de 12”) e aberta ao turismo científico.

Em jeito de balanço, podemos afirmar que todos os sócios e colaboradores que efectivaram a “Astronomia no Verão” pelo Arquipélago se mostraram insatisfeitos com o baixo número de sessões realizadas, mas optimistas e sensibilizados com a grande afluência de pessoas interessadas.

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